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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

I Parte - A Direção da Alma e a Vida Perfeita, de São Boaventura



Nota do Blogue: Agradecemos aos amigos do blogue Alexandria Católica pela transcrição, Salve Maria!

Traduzido do latim por um frade da mesma Ordem
Editora Vozes, Petrópolis, 1921.

 I PARTE

Prefácio do Tradutor
Entre todas as Obras místicas de São Boaventura é A direção da alma a que mais notavelmente e com nitidez no-lo mostra abalizado mestre da vida espiritual. É muito pouco extenso este tratado. Seu autor, porém, concretizou nele os princípios básicos sobre os quais deseja levante a alma o edifício da vida espiritual. O leitor, sequioso de seu próprio aperfeiçoamento, encontrará neste opúsculo matéria abundante para proveitosas meditações e um guia seguro na direção de sua alma. Entretanto, com uma leitura rápida e superficial não se chegará sequer a avaliar a importância real do conteúdo da obra. Mas quem pausadamente a saboreia e estuda, certifica-se que o Doutor Seráfico expõe com mão de mestre, embora sucintamente, como a alma deve haver-se para com Deus e para com o próximo, o que quer dizer nas suas relações mais importantes e graves.
 
A alma então terá em si uma base sólida sobre a qual poderá edificar, se nutre de Deus uma ideia altíssima, piíssima e santíssima e se abraça a lei de Deus com humildade, devoção e pureza. As faltas a alma as refaz pelo arrependimento, pelo santo temor e santo desejo. Na convivência com o próximo devem resplandecer a modéstia, a justiça e a piedade em suas diversas formas. É este o resumo da lição eficientíssima do presente opúsculo.

Segundo o prólogo do códice, conservado no Vaticano, São Boaventura escreveu este tratado para a princesa Branca, filha de São Luiz, rei da França, casada com Fernando, filho de Afonso X da Espanha. Depois da morte do marido, Branca voltou para Paris, onde morreu. 

A DIREÇÃO DA ALMA
I

Antes de tudo, minha alma, é necessário que do bom Deus faças uma idéia altíssima, piíssima e santíssima. A isto chegarás por meio de fé inabalável, meditação atenta e lúcida intuição repassada de admiração.

1. - Altíssima será a idéia que fazes de Deus se fiel, piedosa e claramente crês, admiras e louvas seu poder imenso, que do nada criou tudo e tudo sustenta; sua sabedoria infinita que tudo dispõe e governa; sua justiça ilimitada que tudo julga e recompensa; e se, saindo de ti e voltando de novo e elevando-te acima de ti, com todas as veras cantas com o profeta: "Regozijaram-se as filhas de Judá pelos teus juízos, Senhor, porque tu és Senhor altíssimo sobre toda a terra, tu és sobremaneira exaltado sobre todos os deuses" (Ps. 96, 8 e 9).

2. - A idéia que fazes de Deus será piíssima se admiras, abraças e bendizes a sua imensa misericórdia que se mostrou sumamente benigna em tomar a nossa natureza humana e mortalidade, sumamente terna em suportar a cruz e a morte, sumamente liberal em mandar o Espírito Santo e instituir os Sacramentos, principalmente comunicando-se a si mesmo liberalissimamente no Sacramento do altar, para que de coração possas cantar as palavras do salmo: "Suave é o Senhor para com todos e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras" (Ps. 144, 9).

3. - A idéia que fazes de Deus será santíssima se consideras, admiras e louvas a sua inefável santidade e o proclamas, com os bem-aventurados Serafins: Santo, santo, santo!

Santo quer dizer, em primeiro lugar, que possui Ele a santidade em grau tão elevado e com tanta pureza que Lhe é impossível querer ou aprovar coisa alguma que não seja santa.

Santo, em segundo lugar, por Ele amar a santidade nos outros, de forma que Lhe é impossível subtrair os dons da graça ou negar o prêmio da glória aos que na verdade conservam a santidade.

Santo, em terceiro lugar, por Ele aborrecer tanto o contrário da santidade que Lhe é impossível não reprovar os pecados ou deixá-los impunes.

Se desta forma pensas de Deus, cantarás com Moisés, o legislador da Antiga lei: "Deus é fiel e sem nenhuma iniquidade, justo e reto" (V Moisés, 32, 4).

II

 Depois, dirige o teu olhar sobre a lei de Deus que te manda oferecer ao Altíssimo um coração humilde, ao Piíssimo um coração devoto, ao Santíssimo um coração ilibado.

1. - Um coração humilde, digo, deves oferecer ao Altíssimo pela reverência no Espírito, pela obediência nas obras, pela honra nas palavras e nos atos, observando a apostólica regra e doutrina: "Faze tudo para a glória de Deus" (I Cor., 10, 31).

2. - Um coração devoto deves oferecer ao Piíssimo, invocando em orações fervorosas, saboreando doçuras espirituais, dando muitas graças para que tua alma sempre mais a Deus "ascenda pelo deserto como uma varinha de fumo composto de aromas de mirra e de incenso" (Cântico dos Cânticos, 3, 6).

3. - Um coração ilibado deves oferecer ao Esposo santíssimo de maneira que não reine em ti, - nem nos sentidos, nem na vontade, nem no afeto, - algum prazer em deleites desordenados, desejo de coisas terrenas, nenhum movimento de maldade interna, e assim, livre de toda a mácula de pecado, possas cantar com o salmista: "Seja imaculado o meu coração nas tuas justificações para que não seja confundido" (Ps. 118, 80).

Reflete, pois, diligentemente e vê se tudo isto observaste desde a juventude. Se a consciência t'o afirmar, não o atribuas a ti mesmo, mas à mercê de Deus e rende-lhe graças. Se, porém, achares que uma ou mais vezes, num ponto ou em alguns, ou talvez em todos eles, faltaste grave ou levemente, por fraqueza, por ignorância ou com pleno conhecimento, procura reconciliar-te com Deus com "gemidos inexplicáveis" (Rom. 8, 26) e, para Lhe mostrar a emenda, reveste-te do Espírito de penitência, para que possas cantar com o salmista penitente: "Porque preparado estou para os açoites, e a minha dor está sempre diante de mim" (Ps. 37, 18).

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